"Funciono bem com a acção"

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Entrevista. Johnnie To, o mestre do cinema policial de acção de Hong Kong e presença habitual nos festivais de Berlim, Cannes e Veneza, está em Lisboa para acompanhar a retrospectiva que o Festival IndieLisboa lhe dedica este ano. O DN conversou com ele sobre os seus filmes, o cinema de Hong Kong, Hollywood e a China

Quando é que descobriu a sua vocação para o cinema e decidiu que queria ser realizador?

A minha carreira tem várias fases. Nos anos 70, empreguei-me numa estação de televisão de Hong Kong como estafeta, e comecei a subir na hierarquia. Fui assistente de realização, depois realizador e fiz o meu primeiro filme em 1980, do qual não gostei nada. Era horrível! Pareceu-me que ainda não estava preparado para fazer cinema e só voltei a filmar em 1987. Depois, fiz vários filmes comerciais. Por volta de 1992, decidi que queria ser um realizador a sério e não apenas um artesão de filmes comerciais. E assim, a partir de 1995, com Loving You, comecei a rodar filmes mais pessoais, mais próximos do que queria fazer.

E fundou a sua própria produtora, a Milkyway Image, em 1996, para consolidar essa decisão e poder filmar de forma independente e com mais segurança?

Sim, mas essencialmente porque era a maneira, a nível da produção, de ter o ambiente criativo ideal e a capacidade técnica para fazer um filme do princípio ao fim, sem interferências exteriores.

Apesar de também gostar de fazer comédias, especializou-se em filmes policiais de acção, que o tornaram famoso em Hong Kong e internacionalmente . É o seu género favorito, com o qual se identifica mais. Porquê?

Pelo menos por agora, o género de acção é o que me dá mais espaço para exercitar a minha imaginação, além de ser, por si só, um formato cinematográfico magnífico que me permite por exemplo, centrar-me nas personagens e não apenas na acção pura. Até ver, é o género que funciona melhor para mim.

Nos anos 90, o Johnnie To revolucionou o género de acção no cinema de Hong Kong, graças a filmes visualmente brilhantes e vertiginosos, com aproximações novas e originais a personagens, temas e situações tradicionais, e também um sentido de humor permanente. Tinha consciência que estava a fazer essa revolução, ou só descobriu depois, quando lho disseram?

Eu queria estabelecer um padrão para o cinema de acção, que tem uma grande tradição em Hong Kong. Há muitas maneiras de abordar um mesmo género ou uma fórmula, cada pessoa tem a sua maneira de tratar as mesmas situações. Eu queria filmá-las como ninguém as tinha filmado antes, mas seguindo a grande herança do género. Quanto ao sentido de humor, talvez seja a minha maneira pessoal de olhar para a vida.

Disse numa entrevista que gostava muito do cinema de Akira Kurosawa e de Stanley Kubrick, mas em muitos dos seus filmes podem também detectar-se influências do cinema 'negro' americano, caso de The Mission. Elas existem mesmo, ou foi a crítica que lá as pôs?

Agora conheço melhor os filmes policiais americanos clássicos e estou mais ciente do que significa a expressão "cinema 'negro'", ou film noir. Mas só tomei conhecimento do termo depois de ter feito esses filmes (risos). Comigo, o processo foi inverso: descobri que fazia films noirs quando mo disseram na Europa! (risos)

De entre os muitos filmes que já realizou, há algum que pode destacar como sendo um filme-modelo de Johnnie To, aquele que considera ser o exemplo acabado, perfeito, do cinema que faz?

Não posso afirmar que tenha alguma vez realizado um filme perfeito, mas acho que, de todos os que fiz, talvez Throw Down seja aquele que mais me diz, pessoalmente.

Porquê esse? Nem é de acção...

Porque é aquele em que melhor se combinam as minhas experiências de vida com o meu ofício de cineasta. E ainda porque foi feito durante uma altura muito particular da existência de Hong Kong, em 2003, quando a Ásia foi varrida pelo pânico da síndrome respiratória aguda. O filme reflecte isso e incita as pessoas a não se deixarem abater, a responder aos desafios, a não desistirem de lutar contra as adversidades.

Throw Down tem também elementos autobiográficos?

Eu não diria que é autobiográfico, mas é o filme que, enquanto realizador, expressa mais completamente a minha visão do mundo e da vida, em especial a ideia de que, quando somos derrubados, temos que nos levantar, que reagir.

Há muitos jovens realizadores de Hong Kong a tentarem fazer filmes "à Johnnie To"? Descobre-se a ser imitado?

Sim, e quando trabalho como produtor de jovens realizadores que fazem filmes para a minha companhia, digo-lhes que é importante que não me copiem, que não imitem. O que interessa é que eles sejam eles próprios.

Qual é a situação actual da indústria cinematográfica de Hong Kong? Continua próspera?

A quantidade de filmes, bem como a qualidade, continuam a ser grandes. E muitos dos actores e realizadores chineses que foram trabalhar para Hollywood estão a voltar a casa, o que é muito bom. Além disso, os investidores continuam interessados em meter dinheiro no cinema, e fazem-no com entusiasmo. O ambiente é muito bom e há muitos realizadores novos a trabalhar.

De certeza que já foi tentado para ir filmar em Hollywood, e também para realizar uma daquelas superproduções históricas muito na moda na China...

O grande objectivo de muitos realizadores é irem fazer filmes para Hollywood, mas não é o meu caso. Prefiro ficar em Hong Kong a trabalhar no remake de O Círculo Vermelho, de Jean-Pierre Melville. Também já tive oportunidade de ir filmar na China, mas o tipo de filmes que faço são demasiado melindrosos para os censores chineses.

Abordou as relações entre a mafia de Hong Kong e a mafia chinesa, e a corrupção geral na China, em Election e Election 2. Teve problemas com a censura?

Em Hong Kong há total liberdade para fazer e exibir filmes como estes. Na China, Election e Election 2 não foram vistos. Nem pensar. |

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